O que o passado tem a dizer sobre a relação que temos com o nosso sangue menstrual
Aspectos culturais e sociais sempre influenciaram como as sociedades lidavam com o sangue da menstruação. Nos países industrializados do ocidente, de maneira geral, ainda observamos silenciamento, um estigma menstrual. Por outro lado, em culturas mais antigas o sangue menstrual era visto de forma positiva, sem a conotação de impuro, sendo considerado, muitas vezes, como sagrado.
"Nas culturas matrifocais, o sangue era considerado um portador de magia, porque representava o mistério da força vital. Elinor Gadon sugere que “os primeiros rituais podem ter honrado o ciclo menstrual, o sangue do útero que nutre a vida nova”.
O sangue foi o principal símbolo da fonte da existência e do mistério que nos traz a esta vida. Como tal, era reverenciado.
O fato de que mulheres sangravam uma vez por mês significava que elas estavam mais perto dessa fonte. Esse poder inato presente no corpo feminino explicava em grande parte por que o inefável era reverenciado em forma feminina. (...)".
"No sacramento da comunhão cristã, o vinho tinto simboliza o sangue de Cristo. Mas, por séculos antes de Cristo, o vinho tinto era usado como um símbolo do sangue da Grande Mãe, a Mulher Sagrada. Em muitas culturas, ocorrem cerimônias em que homens e mulheres tomavam o simbólico sangue da vida sob a forma de vinho tinto, por exemplo, nos mistérios dionisíacos e nos rituais tântricos. Às vezes, este era reconhecido conscientemente como um símbolo do sangue menstrual, o fluido mágico do qual a vida humana foi criada".
— Dra Lara Owen, no livro Seu Sangue é Ouro.
Nossa dualidade diante do sangue menstrual
A jornalista britânica Rose George, autora do livro Nine Pints: A Journey Through the Money, Medicine, and Mysteries of Blood (sem versão em português) nos traz uma perspectiva bem interessante (e antiga) da dualidade de sentimentos e percepções sobre o sangue, o que ela chama de “natureza de duas faces do sangue” .
Citada no artigo de Jerome Groopman, The History of Blood (A História do Sangue, em tradução livre), ela afirma que os povos antigos reconheciam a importância do sangue ao mesmo tempo que eram fascinados com seu mistério:
"Para eles, o sangue era algo oculto — visível apenas ao escorrer de uma ferida, ou durante o parto, aborto espontâneo e menstruação — por isso tornou-se um símbolo tanto da vida quanto da morte".
Essa natureza dual do sangue, também é explorada no mito da Górgona Medusa. Quando Esculápio (ou Asclépio) aprende a arte de curar, ele se torna capaz de salvar os moribundos e ressuscitar os mortos por ter recebido da deusa Atena, duas gotas do sangue de Medusa. Era dito que dois tipos de sangue corriam em suas veias: do lado esquerdo, seu sangue era letal; do lado direito, era vivificante.
"Controlar o sangue era dominar a mortalidade, por isso, não nos surpreende que o sangue apareça com destaque em muitas tradições religiosas e que, embora nossa compreensão de suas funções seja mais sofisticada do que nunca, permaneçamos escravos de sua mística primordial".
— Rose George, citada por Jerome Groopman
Como isso soa para você? O que muda interna e externamente quando você passa a olhar o seu sangue menstrual como sagrado em vez de sujo e nojento?
Referências:
Seu Sangue é Ouro – despertando para a sabedoria da menstruação, Lara Owen.
The History of Blood, Jerome Groopman, The New Yorker, 2019.
If looks could kill: how Medusa became a potent political meme, Natalie Haynes. The Guardian.
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